Terça-feira, 2 de Junho de 2009

Ode a pobreza

"Quando nasci,

pobreza,

me seguiste,

me olhavas

através

das taboas podres

pelo profundo inverno.

 De prontidão

eram teus olhos

os que olhavam das brechas.

As goteiras,

da noite, repetiam

teu nome e teu sobrenome

ou as vezes

o salto quebrado, o traje rasgado,

os sapatos furados,

me advertiam.

Ali estavas

espiando-me

teus dentes de traça,

teus olhos de pântano,

tua língua cinza

que corta

a roupa, a madeira

os ossos, o sangue,

ali estavas

buscando-me,

seguindo-me,

desde o meu nascimento

pelas ruas.

Quando aluguei um quarto

pequeno, nos subúrbios,

sentado em um sofá,

me esperavas,

ou no decorrer dos lençóis

em um hotel escuro,

adolescente,

não encontrei a fragrância

da rosa desnuda,

sim o silvo do frio

da tua boca,

Pobreza,

me seguistes

pelos quartéis e hospitais,

pela paz e pela guerra.

Quando adoeci tocaram

à porta:

não era o doutor, entrava

outra vez a pobreza.

Te vi tirar meus móveis

à rua:

os homens

os deixavam cair como pedradas.

Tu, com amor horrível,

de um montão de abandono

no meio da rua e da chuva

ias fazendo

um trono desdentado

e olhando os pobres

recolhias

meu último prato fazendo-o diadema.

Agora,

pobreza,

eu te sigo.

 Como fostes implacável,

sou implacável.

Junto

de cada pobre,

me encontrarás cantando,

baixo,

cada lençol
d
e hospital impossível

encontrarás meu canto.

 Te sigo,

pobreza,

te vigio,

te cerco,

te disparo,

te exilo,

te corto as unhas,

te quebro

os dentes que te restam.

Estou

em todas as partes:

no oceano com os pescadores

na mina com os homens

ao limpar-se a frente,

tirar-se o suor negro,

encontram

meus poemas.

Eu saio cada dia

com a trabalhadora têxtil.

Tenho a mão branca

de dar pão nas padarias.

Aonde vais,

pobreza,

meu canto

está cantando,

minha vida

está vivendo,

meu sangue

está lutando.

Derrotarei

tuas pálidas bandeiras

aonde se levantam.

Outros poetas

antes te chamaram

santa,

reverenciaram tua capa,

se alimentaram de fumo

e desapareceram,

Eu

te desafio,

com duros versos te golpeio o rosto,

te embarco e te desterro.

Eu com outros,

com outros, muitos outros,

vamos te expulsando

da Terra a Lua

para que ali fiques

fria e encarcerada

vendo com um olho

o pão e os ramos

que cobrirão a terra

de amanhã."
 

publicado por oha às 20:05
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Terça-feira, 26 de Maio de 2009

O poeta e a poesia

“Os deveres do poeta foram sempre os mesmos na história. A honra da poesia foi sair à rua. A poesia é uma insurreição. Não se ofende o poeta porque o chamam subversivo. A vida ultrapassa as estruturas e há novos códigos para a alma.”


publicado por oha às 19:32
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Sábado, 9 de Maio de 2009

Não te quero senão porque te quero

 

"Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo."
 

 


publicado por oha às 11:09
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Sábado, 21 de Março de 2009

A Essência da Poesia

"Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio.
Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia - numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde.
 

 

E digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao cruzar um rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio de uma vaca, ao banhar os pés na água purificadora das mais elevadas regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para se comunicar depois a muitos outros seres ou era a mensagem que os outros homens me enviavam como exigência ou embrazamento. Não sei se aquilo o vivi ou escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei naquele momento, as experiências que cantei mais tarde.
De tudo aquilo, amigos, surge um ensinamento que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos conduzem ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é necessário atravessar a solidão e aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar com hesitação ou cantar com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção acham-se consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de serem homens e de acreditarem num destino comum. "

(Discurso na entrega do Prémio Nobel)
 


publicado por oha às 22:43
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Domingo, 21 de Dezembro de 2008

Eu pertenço à fecundidade...

 

“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”
 

 


publicado por oha às 10:37
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Sábado, 13 de Dezembro de 2008

Ode à poesia

 

"Perto de cinqüenta anos
caminhando
contigo, Poesia.
A princípio
me emaranhavas os pés
e eu caía de bruços
sobre a terra escura
ou enterrava os olhos
na poça
para ver as estrelas.
Mais tarde te apertaste
a mim com os dois braços da amante
e subiste
pelo meu sangue
como uma trepadeira.
E logo
te transformaste em taça.
Maravilhoso
foi
ir derramando-te sem que te consumisses,
ir entregando tua água inesgotável,
ir vendo que uma gota
caia sobre um coração queimado
que de suas cinzas revivia.
Mas
ainda não me bastou.
Andei tanto contigo
que te perdi o respeito.
Deixei de ver-te como
náiade vaporosa,
te pus a trabalhar de lavadeira,
a vender pão nas padarias,
a tecer com as simples tecedoras,
a malhar ferros na metalurgia.
E seguiste comigo
andando pelo mundo,
contudo já não eras
a florida
estátua de minha infância.
Falavas
agora
com voz de ferro.
Tuas mãos
foram duras como pedras.
Teu coração
foi um abundante
manancial de sinos,
produziste pão a mãos cheias,
me ajudaste
a não cair de bruços,
me deste companhia,
não uma mulher,
não um homem,
mas milhares, milhões.
Juntos, Poesia,
fomos
ao combate, à greve,
ao desfile, aos portos,
à mina
e me ri quando saíste
com a fronte tisnada de carvão
ou coroada de serragem cheirosa
das serrarias.
Já não dormíamos nos caminhos.
Esperavam-nos grupos
de operários com camisas
recém-lavadas e bandeiras rubras.

E tu, Poesia,
antes tão desventuradamente tímida,
foste
na frente
e todos
se acostumaram ao teu traje
de estrela cotidiana,
porque mesmo se algum relâmpago delatou tua família,
cumpriste tua tarefa,
teu passo entre os passos dos homens.
Eu te pedi que fosses
utilitária e útil,
como metal ou farinha,
disposta a ser arada,
ferramenta,
pão e vinho,
disposta, Poesia,
a lutar corpo-a-corpo
e cair ensangüentada.

E agora,
Poesia,
obrigado, esposa,
irmã ou mãe
ou noiva,
obrigado, onda marinha,
jasmim e bandeira,
motor de música,
longa pétala de ouro,
campana submarina,
celeiro
inextinguível,
obrigado
terra de cada um
de meus dias,
vapor celeste e sangue
de meus anos,
porque me acompanhaste
desde a mais diáfana altura
até a simples mesa
dos pobres,
porque puseste em minha alma
sabor ferruginoso
e fogo frio,
porque me levantaste
até a altura insigne
dos homens comuns,
Poesia,
porque contigo,
enquanto me fui gastando,
tu continuaste
desabrochando tua frescura firme,
teu ímpeto cristalino,
como se o tempo
que pouco a pouco me converte em terra
fosse deixar correndo eternamente
as águas de meu canto."

 


publicado por oha às 16:24
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Quarta-feira, 8 de Outubro de 2008

Farewell

"Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca.
Amor divinizado que se va."

 


publicado por oha às 19:46
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