Quinta-feira, 18 de Junho de 2009

Os poetas

 

 

                                                                                                                                Ao Albano Martins



"É preciso ler os poetas
na sua língua
com rodelas de tomate
e um fio de azeite
ao correr de cada verso.

É preciso chorar
as lágrimas que eles insistem
em soltar no silêncio
de indecisas madrugadas.

É preciso ouvir
o modo como caminham cantando
contra os muros revestidos
pelo arrepio das barbáries.

É preciso aprender com eles
a arte tranquila de habitar a brisa
em Maio
e dedilhar
o alaúde lunar
por baixo dos aloendros.

É preciso dizer que eles são poetas
perigosíssimos seres de olhos carregados
do mais doce sumo das cerejas.

São poetas e voam
como pombas na sílaba do mel.

São poetas e guardam
com horror a memória de terras
profanadas.

Nascem em Lisboa
Dublin
em Granada ou num gueto
de Varsóvia.

Se alguém te perguntar
ó meu irmão
diz que eles são poetas.
Bebem pétalas caminham
sobre a água das palavras.

São poetas
e venham de onde vierem
nasceram sempre ao teu lado
meu irmão
na raiz
do perfeito coração. "

 

 


publicado por oha às 21:42
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Quarta-feira, 10 de Junho de 2009

Burgueses

 

"No me dan pena los burgueses vencidos.
Y cuando pienso que van a dar me pena,
aprieto bien los dientes, y cierro bien los ojos.

Pienso en mis largos días sin zapatos ni rosas,
pienso en mis largos días sin sombrero ni nubes,
pienso en mis largos días sin camisa ni sueños,
pienso en mis largos días con mi piel prohibida,
pienso en mis largos días Y

No pase, por favor, esto es un club.
La nómina está llena.
No hay pieza en el hotel.
El señor ha salido.

Se busca una muchacha.
Fraude en las elecciones.
Gran baile para ciegos.

Cayó el premio mayor en Santa Clara.
Tómbola para huérfanos.
El caballero está en París.
La señora marquesa no recibe.
En fin Y

Que todo lo recuerdo y como todo lo recuerdo,
¿qué carajo me pide usted que haga?
Además, pregúnteles,
estoy seguro de que también
recuerdan ellos."

 


publicado por oha às 11:46
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Um dia alguém numa grande cidade...

"Um dia alguém numa grande cidade longí­nqua dirá que morri
di-lo-á decerto com pena mas sem o alívio que eu próprio decerto senti
primeiro ao solucionar de vez esse problema de respiração que a vida é
desde a convulsão da criança que a meio do copo deixou ir leite para a traqueia
até a instantânea atrapalhação do mergulhador a quem de súbito falta o ar comprimido
só dispõe da reserva e lhe faltava tanto que ver no fundo sonhador do mar
depois senti alívio porque às vezes a meio por exemplo da aragem na face
eu pensava na morte como problema metafísico a resolver pelo menos com higiene
se não com dignidade com acerto como mais um problema à medida do homem
Eu estava do lado dos vivos estou do lado dos mortos
o grande problema era saber se me doía ou se não me doía
agora nem sei se me doeu ou não ou fui um mero espectáculo de mau gosto
para a única pessoa encarregada de me ajudar nesse momento
Ninguém a princípio terá sabido que eu morrera só minha
mulher avisada de longe virá e me porá a mão sobre a testa
os demais não não disponho do olhar para me defender
o tempo depressa se passa são trâmites legais até me terem deixado
debaixo do chão bem debaixo do chão sem frases lidas
ou gravadas sem sentimento nenhum
Uns dias depois um pequeno grupo junto a uma grande janela
olhará a neblina da manhã de janeiro
e terá mãos que eu tive para os meus problemas de vivos
Onde eu estive sobre uma mesa com uma perna cruzada
suaves começarão a suceder-se e acumular-se os dias
como cartas revistas linguísticas ou livros adormecidos
despertos apenas no momento fugaz da leitura
A vida será indistinta virá até nós como árvores
rodará em volta como um lençol até cobrir-nos os ombros
Falareis de mim não posso impedir que faleis de mim
mas já nada disso me pesa como o simples facto de ter de ser vosso amigo
Estou só e só para sempre e só desde sempre
mas antes por direito de opção. Agora não
Deixaram-me aqui doutor em tantas e tão grandes tristezas portuguesas
e durmo o sono das coisas convivo com minerais preparo a minha juventude definitiva
Era como eu esperava mas não posso dizer-vos nada
pois tendes ainda o problema e a cara da pessoa viva"
 


publicado por oha às 08:26
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O último poema

"Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação."

 


publicado por oha às 08:07
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Terça-feira, 2 de Junho de 2009

O país de uma nota só

 

"Não pretendo nada,
nem flores, louvores, triunfos.
nada de nada.
Somente um protesto,
uma brecha no muro,
e fazer ecoar,
com voz surda que seja,
e sem outro valor,
o que se esconde no peito,
no fundo da alma
de milhões de sufocados.
Algo por onde possa filtrar o pensamento,
a idéia que puseram no cárcere.

 

A passagem subiu,
o leite acabou,
a criança morreu,
a carne sumiu,
o IPM prendeu,
o DOPS torturou,
o deputado cedeu,
a linha dura vetou,
a censura proibiu,
o governo entregou,
o desemprego cresceu,
a carestia aumentou,
o Nordeste encolheu,
o país resvalou.

Tudo dó,
tudo dó,
tudo dó...
E em todo o país
repercute o tom
de uma nota só...
de uma nota só... "

 

 

 

 


publicado por oha às 20:29
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Ode a pobreza

"Quando nasci,

pobreza,

me seguiste,

me olhavas

através

das taboas podres

pelo profundo inverno.

 De prontidão

eram teus olhos

os que olhavam das brechas.

As goteiras,

da noite, repetiam

teu nome e teu sobrenome

ou as vezes

o salto quebrado, o traje rasgado,

os sapatos furados,

me advertiam.

Ali estavas

espiando-me

teus dentes de traça,

teus olhos de pântano,

tua língua cinza

que corta

a roupa, a madeira

os ossos, o sangue,

ali estavas

buscando-me,

seguindo-me,

desde o meu nascimento

pelas ruas.

Quando aluguei um quarto

pequeno, nos subúrbios,

sentado em um sofá,

me esperavas,

ou no decorrer dos lençóis

em um hotel escuro,

adolescente,

não encontrei a fragrância

da rosa desnuda,

sim o silvo do frio

da tua boca,

Pobreza,

me seguistes

pelos quartéis e hospitais,

pela paz e pela guerra.

Quando adoeci tocaram

à porta:

não era o doutor, entrava

outra vez a pobreza.

Te vi tirar meus móveis

à rua:

os homens

os deixavam cair como pedradas.

Tu, com amor horrível,

de um montão de abandono

no meio da rua e da chuva

ias fazendo

um trono desdentado

e olhando os pobres

recolhias

meu último prato fazendo-o diadema.

Agora,

pobreza,

eu te sigo.

 Como fostes implacável,

sou implacável.

Junto

de cada pobre,

me encontrarás cantando,

baixo,

cada lençol
d
e hospital impossível

encontrarás meu canto.

 Te sigo,

pobreza,

te vigio,

te cerco,

te disparo,

te exilo,

te corto as unhas,

te quebro

os dentes que te restam.

Estou

em todas as partes:

no oceano com os pescadores

na mina com os homens

ao limpar-se a frente,

tirar-se o suor negro,

encontram

meus poemas.

Eu saio cada dia

com a trabalhadora têxtil.

Tenho a mão branca

de dar pão nas padarias.

Aonde vais,

pobreza,

meu canto

está cantando,

minha vida

está vivendo,

meu sangue

está lutando.

Derrotarei

tuas pálidas bandeiras

aonde se levantam.

Outros poetas

antes te chamaram

santa,

reverenciaram tua capa,

se alimentaram de fumo

e desapareceram,

Eu

te desafio,

com duros versos te golpeio o rosto,

te embarco e te desterro.

Eu com outros,

com outros, muitos outros,

vamos te expulsando

da Terra a Lua

para que ali fiques

fria e encarcerada

vendo com um olho

o pão e os ramos

que cobrirão a terra

de amanhã."
 

publicado por oha às 20:05
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Sexta-feira, 29 de Maio de 2009

Para que sejamos necessários

"Transfere de ti para mim essa dor
de cabeça, esse desejo, essa violência.
Que careça em ti o meu excesso
e que me falte o que tu tens de sobra.

 

Que em mim perdure o que te morre cedo
e que te permaneça o que tenho perdido.
Que cresça, se desenvolva um teu sentido
que em mim desapareça.

 

Dá-me o que de possuir tu não te importas
e eu multiplico o que te falta e em mim existe
para que nosso encaixe forme uma unidade -indivisível-
que não se possa subtrair uma metade."


publicado por oha às 21:36
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Quinta-feira, 28 de Maio de 2009

Nunca mais

"Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.
E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência."


publicado por oha às 22:32
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Sábado, 23 de Maio de 2009

Avante Camarada

"Avante, camarada, avante,
Junta a tua à nossa voz!
Avante, camarada, avante, camarada
E o sol brilhará para todos nós!

Ergue da noite, clandestino,
À luz do dia a felicidade,
Que o novo sol vai nascendo
Em nossas vozes vai crescendo
Um novo hino à liberdade
Que o novo sol vai nascendo
Em nossas vozes vai crescendo
Um novo hino à liberdade

Avante, camarada, avante,
Junta a tua à nossa voz!
Avante, camarada, avante, camarada
E o sol brilhará para todos nós!

Cerrem os punhos, companheiros,
Já vai tombando a muralha.
Libertemos sem demora
Os companheiros da masmorra
Heróis supremos da batalha
Libertemos sem demora
Os companheiros da masmorra
Heróis supremos da batalha

Avante, camarada, avante,
Junta a tua à nossa voz!
Avante, camarada, avante, camarada
E o sol brilhará para todos nós!

Para um novo alvorecer
Junta-te a nós, companheira,
Que comigo vais levar
A cada canto, a cada lar
A nossa rubra bandeira
Que comigo vais levar
A cada canto, a cada lar
A nossa rubra bandeira

Avante, camarada, avante,
Junta a tua à nossa voz!
Avante, camarada, avante, camarada
E o sol brilhará para todos nós!"
 


publicado por oha às 19:27
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Sexta-feira, 22 de Maio de 2009

Os olhos do poeta

"O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo. "
 


publicado por oha às 14:37
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Quinta-feira, 21 de Maio de 2009

Amanhecer

"Floresce, na orilha da campina,
esguio ipê
de copa metálica e esterlina.

Das mil corolas,
saem vespas,abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste,onde vão pousando
nas piritas que piscam nas ladeiras,
e no riso das acácias amarelas.

Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam,despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.

Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã..."


publicado por oha às 10:58
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Auto retrato

"Para onde quer que vá
já lá estive

o que quer que faça
não posso decidir

quem quer que eu ame
é uma parte

por muito que morra
fico com vida"


publicado por oha às 07:22
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Que poderei de mim mais arrancar

 

"Que poderei de mim mais arrancar
P'ra suportar o dom da tua mão,
Anjo rubro do vento e solidão
Que me trouxeste o espaço,o deus e o mar?

No céu, a linha última das casas
É já azul, alada, imensa e leve.
Nenhum gesto, nenhum destino é breve
Porque em todos estão inquietas asas.

Depois ao pôr do sol ardem as casas,
O céu e o fogo passam pela terra,
E a noite negra vem cheia de brasas
Num crescendo sem fim que nos desterra."

 


publicado por oha às 06:59
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Terça-feira, 19 de Maio de 2009

Traduzir-se

 

"Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?"

 


publicado por oha às 20:24
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Ouvir Estrelas

 

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
 

 


publicado por oha às 20:14
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Segunda-feira, 18 de Maio de 2009

Sê paciente; espera

 

"Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça." 


publicado por oha às 20:29
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Guarda a manhã

"Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar

Porque tu és o meio da manhã
O ponto mais alto da luz
Em explosão"

 


publicado por oha às 18:18
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Terça-feira, 12 de Maio de 2009

Lembrança da Ria de Faro

 

 

"Dunas atrás da casa

gafanhotos cor de

madeira cardos cor de areia

ao fim da tarde,

barcos na água rósea

onde a cidade, em frente à casa, cai

De madeira caiada a

casa está

sobre a areia, que escurece quando

a maré devagar desce na praia"

 


publicado por oha às 13:21
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Segunda-feira, 11 de Maio de 2009

Havemos de ser outros amanhã...

"havemos de ser outros amanhã
ou daqui a momentos ou já agora
e dificilmente reconheceremos o espaço da alegria
em que noutras horas chegámos a nascer

e então meu amor
(não sei se reparaste mas é a primeira vez
que escrevo meu amor)
teremos nos olhos a cor sem cor
das roupas muito usadas
e guardaremos os despojos das noites
em que tudo sem querer nos magoava
nas gavetas daqueles velhos armários
com cheiro a cânfora e a tempo inútil
onde há muitos anos escondemos
um postal da Torre de Belém em tons de azul
e um bilhete para a matiné das seis no São Jorge
onde um homem (que muitos anos depois
segundo me contaram se suicidou)
tocava orgão nos intervalos em que
nos beijávamos às escondidas

e dessas gavetas rebenta a poeira do tempo
que matámos a frio dentro de nós
com os filhos que perdemos em camas de ninguém
e as pedras que nasceram no lugar das cinzas
e havemos de perguntar (mesmo sabendo que
já não há ninguém para nos responder)
por que foi que nos largaram no mundo
vestidos de tão frágeis certezas
por que nos abandonaram assim
no rebentar de todas as tempestades
sabendo que o futuro que nos prometiam batia
ao ritmo das horas que já tinham sido
destinadas a outros e nunca
voltariam a tempo de nos salvar

mas enquanto vai escorrendo de nós o pó
desses lugares onde ainda há vozes
que não desistiram de perguntar por nós
vamos bebendo a água inicial das nossas línguas
um ao outro devolvendo o pouco
que conseguimos salvar de todos os dilúvios"
 


publicado por oha às 17:15
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Sábado, 9 de Maio de 2009

Não te quero senão porque te quero

 

"Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo."
 

 


publicado por oha às 11:09
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Quarta-feira, 6 de Maio de 2009

A um poeta

"Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate! "


 


publicado por oha às 20:22
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Domingo, 3 de Maio de 2009

Universalidade

                           "Aqui declaro que não tem fronteiras. 
                                    Filho da sua pátria e do seu povo, 
                                    A mensagem que traz é um grito novo, 
                                    Um metro de medir coisas inteiras. 
  
                                    Redonda e quente como um grande abraço 
                                    De polo a polo, a sua humanidade, 
                                    Tendo raízes e localidade, 
                                    É um sonho aberto que fugiu do laço 
  
                                    Vento da primavera que semeia 
                                    Nas montanhas, nos campos e na areia 
                                    A mesma lúdica semente, 
  
                                    Se parasse de medo no caminho, 
                                    Também parava a vela do moinho 
                                    Que mói depois o pão de toda a gente. "  

 


publicado por oha às 06:29
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Sábado, 2 de Maio de 2009

Estados de ánimo

A veces me siento
como un águila en el aire.
-Pablo Milanés
 


"Unas veces me siento
como pobre colina
y otras como montaña
de cumbres repetidas.

Unas veces me siento
como un acantilado
y en otras como un cielo
azul pero lejano.

A veces uno es
manantial entre rocas
y otras veces un árbol
con las últimas hojas.
Pero hoy me siento apenas
como laguna insomne
con un embarcadero
ya sin embarcaciones
una laguna verde
inmóvil y paciente
conforme con sus algas
sus musgos y sus peces,
sereno en mi confianza
confiando en que una tarde
te acerques y te mires,
te mires al mirarme."
 


publicado por oha às 21:08
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Promessa de uma noite

 

" cruzo as mãos

sobre as montanhas

um rio esvai-se

ao fogo do gesto

que inflamo

 

a lua eleva-se

na tua fonte

enquanto tacteias a pedra

até ser flor"

 


publicado por oha às 08:16
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Terça-feira, 28 de Abril de 2009

Retornos de la invariable poesia

 

"¡Oh poesía hermosa, fuerte y dulce,

mi solo mar al fin, que siempre vuelve!

¿Cómo vas a dejarme, cómo un día

pude, ciego, pensar en tu abandono?

Tú eres lo que me queda, lo que tuve,

desde que abrí a la luz, sin comprenderlo.

Fiel en la dicha, fiel en la desgracia,

de tu mano en la paz,

y en el estruendo triste

de la sangre y la guerra, de tu mano.

Yo dormía en las hojas, yo jugaba

por las arenas verdes de los ríos,

subiendo a las veletas de las torres

y a la nevada luna mis trineos.

Y eran tus alas invisibles, era

su soplo grácil quien me conducía.

¿Quién tocó con sus ojos los colores,

quién a las líneas contagió su aire,

y quién, cuando el amor, puso en su flecha

un murmullo de fuentes y palomas?

Luego, el horror, la vida en el espanto,

la juventud ardiendo en sacrificio.

¿Qué sin ti el héroe, qué su pobre muerte

sin el súbito halo de relámpagos

con que tú lo coronas e iluminas?

¡Oh hermana de verdad, oh compañera,

conmigo, desterrada,

conmigo, golpeado y alabado,

conmigo perseguido;

en la vacilación, firme, segura,

en la firmeza, animadora, alegre,

buena en el odio necesario, buena

y hasta feliz en la melancolía!

¿Qué no voy a esperar de ti en lo que me falte

de júbilo o tormento? ¿Qué no voy

a recibir de ti, di, que no sea

sino para salvarme, alzarme, conferirme?

Me matarán quizás y tú serás mi vida,

viviré más que nunca y no serás mi muerte.

Porque por ti yo he sido, yo soy música,

ritmo veloz, cadencia lenta, brisa

de los juncos, vocablo de la mar, estribillo

de las simples cigarras populares.

Porque por ti soy tú y seré por ti sólo

 

lo que fuiste y serás para siempre en el tiempo."

 


publicado por oha às 19:14
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Domingo, 26 de Abril de 2009

Ana e António

"A Ana e o António trabalhavam
na mesma empresa.
Agora foram ambos despedidos.
Lá em casa, o silêncio sentou-se
em todas as cadeiras
em volta da mesa vazia.

«Neo-realismo!» dirão os estetas
para quem ser despedido
é o preço do progresso.

Os estetas, esses, nunca
serão despedidos.

Ou julgam isso, ou julgam isso."

 


publicado por oha às 22:05
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Segunda-feira, 20 de Abril de 2009

Entre partir e ficar

"Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa"


publicado por oha às 21:19
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Da condição humana

 

"Todos sofremos.
O mesmo ferro oculto
Nos rasga e nos estilhaça a carne exposta
O mesmo sal nos queima os olhos vivos.
Em todos dorme
A humanidade que nos foi imposta.
Onde nos encontramos, divergimos.
É por sermos iguais que nos esquecemos
Que foi do mesmo sangue,
Que foi do mesmo ventre que surgimos."



 


publicado por oha às 21:04
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Segunda-feira, 13 de Abril de 2009

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
 


publicado por oha às 22:17
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Onde os deuses se encontram

 

"Não busques não esperes

Como procurar a nudez do simples?
Os deuses encontram-se no refúgio aberto sombreado

O círculo dilata-se e dilata-nos
O lugar revela-se no esplendor da luz

O mar levanta as suas lâmpadas brancas

Diz de novo a fascinante simplicidade

Diz agora as minúcias
deslumbrantes
arcos na areia insectos frutos

Tanta luz tanta sombra iluminada!"

 


publicado por oha às 08:20
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Sexta-feira, 10 de Abril de 2009

Versos Escritos N'água

"Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou."
 


publicado por oha às 08:30
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Sábado, 4 de Abril de 2009

Poema

"O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo"

 


publicado por oha às 19:10
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Protesto contra a lentidão das fontes

"Vazaram-se as luas da savana

ossadas pálidas emigraram

dos corpos para o chão

ajoelharam-se os bois

exaustos de carregarem o sol

 

Escureceram as horas

nomeadas pela fome

extinguiu-se o sangue da terra

esvaiu-se o leite

num coágulo de saudade

 

Restam troncos

sustendo gemidos

mães oblíquas sonhando migalhas

mendigando crenças

para salvar os filhos já quase terrestres

 

Quem protege estes meninos

feitos da chuva que não veio?

Que casa lhes havemos de dar?

 

Amanhã

qunado se entornarem os cântaros do céu

as aves voltarão a roçar a lua

e as cigarras espalharão o seu canto

 

Mas dos meninos

talhados a golpes de poeira

quantos restarão

para saudar o amanhecer dos frutos?"


publicado por oha às 10:48
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Terça-feira, 31 de Março de 2009

Palavras, Actos

"A ironia ensina a sabotar uma frase
Como se faz a um motor de automóvel:
Se retirares uma peça a máquina não anda, se mexeres
No verbo ou numa letra do substantivo
A frase trágica torna-se divertida,
E a divertida, trágica.
Este quase instinto de rasteirar as frases protegeu-me,
Desde novo, daquilo que ainda hoje receio: transformar
A linguagem num Deus que salve, e cada frase num anjo
Portador da verdade. Tirar seriedade ao acto da escrita
Aprendi-o na infância, tirar seriedade aos actos da vida
Comecei a aprender apenas depois de sair dela, e espero
Envelhecer aperfeiçoando esta desilusão."
 


publicado por oha às 23:48
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Domingo, 29 de Março de 2009

Um anjo erra (o amor confuso)

"Um anjo erra

nos teus olhos diurnos

 

humedecido do véu

(ao fundo, a íris entardece)

seguiu de cor a revoada das pombas

 

místico

um arroubo ascende a prumo

do plano em que me fitas

 

cisnes desaguam

do teu olhar em fio

e vogam ao redor, pelo estuário da sala

 

ao sol-poente

os vitrais das janelas

ardem na catedral assim erguida

 

colocamos um sonho

em cada nicho

 

e no círculo formado pelas nossas bocas

subentende-se com verve

a língua."


publicado por oha às 23:10
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Apetece-me um chá

"tenho tantas palavras para dizer nesta manhã
em que outros se esqueceram    definitivamente    de mim
 
e penso naquele teu silêncio olhando-me
como se eu as pronunciasse ainda para ti
e envolvesse cada sílaba no suor dos teus dedos
e chamasse ainda à tua boca o sal das dunas
onde me ensinaste um dia
a esperar por tudo o que chegava fora de horas
porque esse ia ser    tu o disseste    o meu destino
e era preciso estar prevenida
 
mas as palavras desta manhã têm
diferentes contornos
 
e aquele estranho sabor
de um corpo que se afastou de nós
nas inesperadas tempestades de agosto
anunciando o inverno para dali a pouco "
 


publicado por oha às 17:41
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Sou de vidro

"Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro
 

 

Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido
 

 

Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita"
 


publicado por oha às 14:20
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Hoje...

"Há hoje um cheiro a partir
um cheiro a não estar aqui,
um cheiro a mar verde-pálido,
de algas soltas, sem raízes.
Estou no cais mas não saí.
Tenho um passaporte inválido
para todos os países. "
 


publicado por oha às 13:47
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Terça-feira, 24 de Março de 2009

O Teatro das Cidades

"Qualquer tempo é um tempo duvidoso
assim o meu cercado de cidades
plataformas instáveis
praticáveis cobertos de infinita gente náufraga
que se inclina nas águas como um palco

Paro na convergência dos estrados
chove já sobre a raça ameaçada
Incertas multidões em volta passam
contemporâneas falam interpretam
a duvidosa língua das imagens

Assim no teatro abstracto das cidades
morrem palavras sobre um palco náufrago

O tempo cobre o céu que se enche de água "
 


publicado por oha às 22:37
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Domingo, 22 de Março de 2009

Assombros

"Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

 

Fora, não se dão conta os desatentos.

 

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

 

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

 

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro."
 


publicado por oha às 12:50
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Sábado, 21 de Março de 2009

Que será de ti, Amazônia?

"Que será de ti, Amazônia,
enquanto o homem que te desfruta
considerar-te perene, imortal
como se imagina um duende?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto se pensa no teu destino
sem nunca separar-te dos interesses
daquele que te golpeia,
te reduz e te maltrata?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto se teima em desconhecer
que teu reino se acaba
onde a tua imensa vegetação termina?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto os cegos herdeiros
do Lêmure implacável,
buscam fórmulas vazias
para explorar-te racionalmente,
quando se sabe que os fins econômicos
já são, por si mesmos,
irracionais?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto não forem avaliadas tuas perdas
e teu desgaste
em quatrocentos anos de falsa
prosperidade para o homem;
e de lenta,
lentíssima agonia
para os sonhos e as riquezas
que te habitam?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto o índio que te protege
e guarda os teus mistérios,
continuar sendo reduzido
e transformado em caboclo?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto o revolvimento de teu solo,
à cata de minérios,
envenenar os teus rios;
e as toras de madeira submersas
desabarem sobre ti
numa queda insalubre e frenética
de chuvas ácidas?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto o desmatamento e as queimadas
transferem para os teus ares o sezão
dos pântanos
e a temperatura dos infernos?

Que será de ti, Amazônia,
quando tuas lendas não tiverem mais
onde pousar; e a doce flauta
do uirapuru
quebrar-se numa profunda elegia
sobre os rios que minguam
e os areais que avançam?

Que será de ti, Amazônia,
última página do Gênesis,
quando os seres que fazem a tua escrita
enigmática,
mergulharem na usura
que te rebaixa
aos olhos do mundo?


Que será de ti, Amazônia,
se continuas espoliada e sujeita
ao voto
que elege os teus algozes?

Que será de ti, Amazônia,
cujo tamanho incomoda pela ausência
de amor,
e cuja perda nem mesmo um rio
de lágrimas
há-de chorar-te com justiça ?

Que será de ti, Amazônia,
navegável piscosa hidra mesopotâmica
resistência dos fracos
buzina dos ermos
igaçaba de fogos-fátuos
agora que teus peixes,
de há muito impedidos de crescer
e desovar corretamente
já não saciam a fome dos que
nada fizeram
para ver o futuro?

Que será de ti, Amazônia,
grandeza física que,
no entanto,
pode caber dentro de um ninho qualquer,
desde que ele tenha a leveza
de tuas palhas
e a úmida ternura
dos ventos que te embalam?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto as crianças do globo
não souberem te amar em plenitude,
ou seja,
do bicho mais rasteiro
às frondes mais altas de teus bosques
e teus igapós?

Que será de ti, Amazônia,
se as fronteiras que te abraçam
numa ciranda geográfica de isolamento
e fraternidade,
não aprenderem também a sentir
o pulsar de teus mares sepultos
e a beber, em tuas águas,
a música das sombras?

Que será de ti, Amazônia,
paraíso da natividade cósmica
porto de lenha
sertão de especiarias
inferno verde
berço do progresso
refúgio de degredados
sorvedouro de talentos
remate dos vencedores,
quando és, praticamente,
a última baliza do verde
com as terras-do-sem-fim?

Que será de ti, Amazônia,
esfinge dos néscios
apetite dos glutões
motivo de inspiração e de escárnio
natureza morta
peixe colorido de estrelas importadas
autofagia mítica
cipoal de batalhas demiúrgicas
aleijão vegetativo
sementeira de astronaves,
agora que meia dúzia de sábios
te colocam no banco dos réus
e te julgam
em nome da ecologia?"
 


publicado por oha às 23:57
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Sábado, 14 de Março de 2009

Meu país desgraçado

 
"Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!"

 

publicado por oha às 14:37
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Segunda-feira, 9 de Março de 2009

Sobre o poema

 

"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo.
Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
— a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

— Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

— E o poema faz-se contra o tempo e a carne. "

 


publicado por oha às 22:10
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Domingo, 8 de Março de 2009

As imagens transbordam

 

"As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas.
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?"
 

 


publicado por oha às 21:48
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Um sinal

 

" Era já noite mas eu corria

corria cegamente pela página fora.

Ou era talvez a rua. Corria

para um encontro

não sei ao certo de quê nem

de

quem.

Um nome um rosto

um corpo nu deitado no abismo.

Mas era uma estrela

que me

guiava.

Era um sismo

era um vento.

Ou talvez a palavra. Ou talvez a palavra.

E por isso eu corria

loucamente corria pela noite dentro"

 


publicado por oha às 19:45
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Domingo, 1 de Março de 2009

Carta a Meus Filhos

 

"Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse "com suma piedade e sem efusão de sangue."
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de urna classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam "amanhã".
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram."

 

(Os Fuzilamentos de Goya)

 


publicado por oha às 09:44
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Sábado, 28 de Fevereiro de 2009

O Sobrevivente

 

"Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)"
 

 


publicado por oha às 21:32
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Segunda-feira, 23 de Fevereiro de 2009

As palavras que te envio são interditas


"As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma  regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas."

                     

publicado por oha às 22:54
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Domingo, 22 de Fevereiro de 2009

Che Guevara

 

"Contra ti se ergue a prudência dos inteligentes e o arrojo dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra.

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece. "

 


publicado por oha às 22:35
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Sábado, 21 de Fevereiro de 2009

Oh as casas as casas as casas

 
"Oh as casas as casas as casas
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas"
 

publicado por oha às 17:44
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Indisciplina

 

"O bêbado deixa para trás as casas estupefactas.
Nem todos se aventuram a passear bêbados
à luz do sol. Atravessa tranquilo a rua,
e poderia entrar pelas paredes dentro, pois as paredes estão ali.
Só os cães deambulam assim, mas um cão pára
sempre que sente uma cadela e cheira-a cuidadosamente.
O bêbado não vê ninguém, nem mesmo as mulheres.

Na rua, as pessoas que se perturbam ao vê-lo, não se riem
e gostariam que não estivesse ali o bêbado, mas os muitos que tropeçam
ao segui-lo com os olhos voltam a olhar em frente
com uma praga. Passado que foi o bêbado,
toda a rua se move mais lentamente
à luz do sol. E se uma pessoa começa
a correr, é alguém que não o bêbado.
Os outros olham, sem distinguir, o céu e as casas
que nunca deixaram de estar ali, ainda que ninguém as veja.

O bêbado não vê as casas nem o céu,
mas sabe que estão ali, pois num passo pouco firme percorre um espaço
tão claro como as franjas do céu. As pessoas, embaraçadas,
deixam de compreender o que fazem ali as casas,
e as mulheres já não olham para os homens. Têm
todos, dir-se-ia, medo de que de repente a voz
rouca se ponha a cantar e os persiga pelo ar.
Cada casa tem uma porta, mas não vale a pena entrar.
O bêbado não canta, mas mete por uma rua
onde o único obstáculo é o ar. Felizmente
não vai dar ao mar, pois o bêbado,
caminhando tranquilo, entraria também no mar
e, deixando de se ver, prosseguiria no fundo o mesmo caminho.

Cá fora, a luz seria sempre a mesma."
 

publicado por oha às 12:41
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Poema

 

"é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,

não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são

bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a

raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos

conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um

torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre

os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema

porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a

carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre

os telhados na hora em que todos dormem, é a última

lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.

o poema não tem estrófes, tem corpo, o poema não tem versos,

tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se

com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e

incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema,

a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo

para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por

mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares

onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,

o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me

olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a

palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido."

 

 


publicado por oha às 10:19
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Domingo, 1 de Fevereiro de 2009

As palavras

 

"Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo
As palavras identificam-se com o asfalto negro
o tropel das nuvens
a espessura azul das árvores acesas pelos faróis
o rumor verde
As palavras saem de um ferida exangue
de teclas de metal fresco
de caminhos e sombras
da vertigem de ser só um deserto
de armas de gume branco
Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos
e há palavras como giestas vivas
Matrizes primordiais matéria habitada
forma indizível num rectângulo de argila
quem alimenta este silêncio senão o gosto de
colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?
As palavras vêm de lugares fragmentários
de uma disseminação de iniciais
de magmas respirados
de odor de gérmen de olhos
As palavras podem formar uma escrita nativa
de corpos claros
Que são as palavras?Imprecisas armas
em praias concêntricas
torres de sílex e de cal
aves insólitas
As palavras são travessias brancas faces
giratórias
elas permitem a ascensão das formas
elevam-se estrato após estrato
ou voam em diagonal
até à cúpula diáfana
As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado
Que enfrentam as palavras?O espelho
da noite a sua impossível
elipse
Saem da noite despedaçadas feridas
e são signos do acaso pedras de sol e sal
a da sua língua nascem estrelas trituradas"

 


publicado por oha às 13:37
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Gosto dos amigos

 

"Gosto dos amigos
Que modelam a vida
Sem interferir muito;
Os que apenas circulam
No hálito da fala
E apõem, de leve,
Um desenho às coisas.
Mas, porque há espaços desiguais
Entre quem são
E quem eles me parecem,
O meu agrado inclina-se
Para o mais reconciliado,
Ao acordar,
Com a sua última fraqueza;
O que menos se preside à vida
E, à nossa, preside
Deixando que o consuma
O núcleo incandescente
Dum silêncio votivo
De que um fumo de incenso
Nos liberta."

 


publicado por oha às 13:27
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Acontecimento

 

"Aí estás tu à esquina das palavras de sempre
amor inventado numa indústria de lábios
que mordem o tempo sempre cá
E o coração acontece-nos
como uma dádiva de folhas nupciais
nos nossos ombros de outono
Caiam agora pálpebras
o sacrifício que em nossos gestos há
de sermos diários por fora
Caiam agora que o amor chegou"

 


publicado por oha às 13:03
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Domingo, 11 de Janeiro de 2009

Passamos pelas coisas sem as ver

 

"Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos."
 


publicado por oha às 12:42
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Quarta-feira, 7 de Janeiro de 2009

Retrato de amigo

 

 

"Por ti falo. E ninguém sabe. Mas eu digo
meu irmão    minha amêndoa    meu amigo
meu tropel de ternura    minha casa
meu jardim de carência    minha asa.

Por ti morro e ninguém pensa. Mas eu sigo
um caminho de nardos empestados
uma intensa e terrífica ternura
rodeado de cardos por muitíssimos lados.

Meu perfume de tudo    minha essência
meu lume    minha lava    meu labéu
como é possível não chegar ao cume
de tão lavado céu? "


 


publicado por oha às 21:32
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Domingo, 4 de Janeiro de 2009

Aos amigos

 

"Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão."


 


publicado por oha às 15:04
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Para ser grande, sê inteiro

 

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive"
 

(Ricardo Reis)

 


publicado por oha às 11:26
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Sábado, 3 de Janeiro de 2009

ACORDAI!

 

"Acordai!
Acordai, homens que dormis
A embalar a dor
Dos silêncios vis!
Vinde, no clamor
Das almas viris,
Arrancar a flor
Que dorme na raíz!

Acordai!
Acordai, raios e tufões
Que dormis no ar
E nas multidões!
Vinde incendiar
De astros e canções
As pedras e o mar,
O mundo e os corações...

Acordai!
Acendei, de almas e de sóis,
Este mar sem cais,
Nem luz de faróis!
E acordai, depois
Das lutas finais,
Os nossos heróis
Que dormem nos covais.

ACORDAI!"
 

 


publicado por oha às 04:56
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Quinta-feira, 1 de Janeiro de 2009

La Poesía Es Un Arma Cargada de Futuro


publicado por oha às 22:19
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Terça-feira, 30 de Dezembro de 2008

Ser

 

"Cansada expectativa tão ansiosa
que ser só eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que não serei nunca, fervorosa

minha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calha

lá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,

de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
Viver é isto, quando se é só vida. "
 

 


publicado por oha às 00:28
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Crepúsculo

 

"É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
Quando a noite se destaca
da cortina;
Quando a carne tem o travo
da saliva,
e a saliva sabe a carne
dissolvida;
Quando a força de vontade
ressuscita;
Quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando às sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida. "
 

 


publicado por oha às 00:20
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Domingo, 28 de Dezembro de 2008

Poesia de Resistência Palestina

 

Com os dentes

 

"Com os dentes
Defenderei cada polegada da minha pátria
Com os dentes

E não quero nada em troca dela
Mesmo que me deixem pendurado
Nas minhas veias

Aqui permaneço
Escravo do meu amor...
à cerca da minha casa
Ao orvalho...e às géis flores do campo

Aqui continuo
E não poderão derrubar-me
Todas as minhas dores

Aqui permaneço
Com vocês
No meu coração

E com os dentes
Defenderei cada polegada da terra da pátria
Com os dentes "
 

(Tawfic Zayyad) 

 
 
Basta-me permanecer em seu regaço 

 

 

"Basta-me morrer em meu país
aí ser enterrada
dissolver-me e aí ser reduzida a nada
ressuscitar erva em sua terra
ressuscitar flor
que uma criança crescida em meu país arrancará
basta-me estar no regaço de minha pátria
estar perto dela como um punhado de poesia
um raminho de grama
uma flor"
 

(Fawda Tugan)

 

 


publicado por oha às 22:43
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Sábado, 27 de Dezembro de 2008

Pernoitas em mim

 

"pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória...amas
ou finges morrer

pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes"

 


publicado por oha às 12:46
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Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2008

Azul II

 

"noite de vulcão mais que acordado peço-te
deixa-me em paz;
e grão de areia sendo
sopra-me como se precisasses de
empunhar e empurrar
uma pedra não amigável.
e rompe o céu através de mim;
joga-me verticalmente contra as
tuas vísceras mais aladas,
faz-me brilhar na velocidade,
desaparecer no contacto químico
com o universo.
chama-me átomo e cospe-me.
preciso de não estar aqui."

 


publicado por oha às 22:56
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Domingo, 21 de Dezembro de 2008

Eu pertenço à fecundidade...

 

“Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.”
 

 


publicado por oha às 10:37
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Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2008

Entrei no café com um rio na algibeira

 

"Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino."
 


publicado por oha às 22:26
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Domingo, 14 de Dezembro de 2008

Che

 

" Eu tive um irmão 
Não nos vimos nunca 
mas não importava. 

Eu tive um irmão 
que andava na selva 
enquanto eu dormia. 

O amei ao meu modo, 
lhe tomei a voz 
livre como a água, 
caminhei às vezes 
perto de sua sombra. 
meu irmão desperto 
enquanto eu dormia. 

Meu irmão mostrando-me 
por detrás da noite 
a sua estrela eleita. "

 


publicado por oha às 13:21
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Sábado, 13 de Dezembro de 2008

Ode à poesia

 

"Perto de cinqüenta anos
caminhando
contigo, Poesia.
A princípio
me emaranhavas os pés
e eu caía de bruços
sobre a terra escura
ou enterrava os olhos
na poça
para ver as estrelas.
Mais tarde te apertaste
a mim com os dois braços da amante
e subiste
pelo meu sangue
como uma trepadeira.
E logo
te transformaste em taça.
Maravilhoso
foi
ir derramando-te sem que te consumisses,
ir entregando tua água inesgotável,
ir vendo que uma gota
caia sobre um coração queimado
que de suas cinzas revivia.
Mas
ainda não me bastou.
Andei tanto contigo
que te perdi o respeito.
Deixei de ver-te como
náiade vaporosa,
te pus a trabalhar de lavadeira,
a vender pão nas padarias,
a tecer com as simples tecedoras,
a malhar ferros na metalurgia.
E seguiste comigo
andando pelo mundo,
contudo já não eras
a florida
estátua de minha infância.
Falavas
agora
com voz de ferro.
Tuas mãos
foram duras como pedras.
Teu coração
foi um abundante
manancial de sinos,
produziste pão a mãos cheias,
me ajudaste
a não cair de bruços,
me deste companhia,
não uma mulher,
não um homem,
mas milhares, milhões.
Juntos, Poesia,
fomos
ao combate, à greve,
ao desfile, aos portos,
à mina
e me ri quando saíste
com a fronte tisnada de carvão
ou coroada de serragem cheirosa
das serrarias.
Já não dormíamos nos caminhos.
Esperavam-nos grupos
de operários com camisas
recém-lavadas e bandeiras rubras.

E tu, Poesia,
antes tão desventuradamente tímida,
foste
na frente
e todos
se acostumaram ao teu traje
de estrela cotidiana,
porque mesmo se algum relâmpago delatou tua família,
cumpriste tua tarefa,
teu passo entre os passos dos homens.
Eu te pedi que fosses
utilitária e útil,
como metal ou farinha,
disposta a ser arada,
ferramenta,
pão e vinho,
disposta, Poesia,
a lutar corpo-a-corpo
e cair ensangüentada.

E agora,
Poesia,
obrigado, esposa,
irmã ou mãe
ou noiva,
obrigado, onda marinha,
jasmim e bandeira,
motor de música,
longa pétala de ouro,
campana submarina,
celeiro
inextinguível,
obrigado
terra de cada um
de meus dias,
vapor celeste e sangue
de meus anos,
porque me acompanhaste
desde a mais diáfana altura
até a simples mesa
dos pobres,
porque puseste em minha alma
sabor ferruginoso
e fogo frio,
porque me levantaste
até a altura insigne
dos homens comuns,
Poesia,
porque contigo,
enquanto me fui gastando,
tu continuaste
desabrochando tua frescura firme,
teu ímpeto cristalino,
como se o tempo
que pouco a pouco me converte em terra
fosse deixar correndo eternamente
as águas de meu canto."

 


publicado por oha às 16:24
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Segunda-feira, 8 de Dezembro de 2008

Os rios atónitos

 

"Há palavras a dormir sobre o seu largo
assombro
Por exemplo, se dizes Quanza ou dizes Congo
é como se houvesse pronunciado os próprios
rios
Ou seja, as águas
pesadas de lama, os peixes todos e os perigos
inumeráveis
O musgo das margens, o escuro
mistério em movimento.

Dizes Quanza ou dizes Congo e um rio corre
Lento
em tua boca.

Dizes Quanza
e o ar se preenche de perfumes perplexos.

E dizes Congo
e onde o dizes há grandes aves
e súbitos sons redondos e convexos.

E dizes Quanza, ou dizes Congo
e sempre que o dizes acorda em torno
um turbilhão de águas:
a vida, em seu inteiro e infinito assombro."
 


publicado por oha às 19:46
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Sábado, 6 de Dezembro de 2008

Materiais para confecção de um espanador de tristezas

                                                                                                                                      

"tinha aprendido que era muito importante criar desobjectos.

certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar o cinzento. não munido de nenhum artefacto alegre, inventei um espanador de tristezas.

era de difícil manejo – mas funcionava."

 


publicado por oha às 16:12
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Terça-feira, 2 de Dezembro de 2008

Letra para um hino

"É possível falar sem um nó na garganta.
É possível amar sem que venham proibir.
É possível correr sem que seja a fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.

 

É possível andar sem olhar para o chão.
É possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros.
Se te apetece dizer não, grita comigo: não!

 

É possível viver de outro modo.
É possível transformar em arma a tua mão.
É possível viver o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.

 

Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre, livre, livre."

 

 


publicado por oha às 22:54
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E ao anoitecer


"e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia"

 


publicado por oha às 22:33
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Sábado, 22 de Novembro de 2008

Os pensamentos são livres


"Os pensamentos são livres!
Quem pode adivinhá-los?
Eles passam voando
Como sombras da noite.
Ninguém pode sabê-los,
Ninguém pode atingí-los,
Não há como mudar:
Os pensamentos são livres!

Eu penso o que eu quero,
E tudo o que me agrada,
Mas tudo em silêncio
Sem chamar a atenção.
Meu desejo e meu anseio
Ninguém pode impedir.
Não há como mudar:
Os pensamentos são livres!

E se eu for aprisionado
No mais sinistro calabouço,
Tudo isto será obra
Inútil e também vã;
Pois os meus pensamentos
Partem os grilhões
E os muros em dois:
Os pensamentos são livres!

Por isto para sempre
Deixarei de lado preocupações
Deixarei de lado para sempre
Os meus temores
Pois no coração sempre
Será possível rir e ser alegre
E ao mesmo tempo pensar:
Os pensamentos são livres."

 


publicado por oha às 14:49
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Domingo, 16 de Novembro de 2008

No Coração, Talvez

 

"No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração."

 


publicado por oha às 21:24
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Quinta-feira, 6 de Novembro de 2008

Flagelados do Vento-Leste

"Nós somos os flagelados do Vento-Leste!

A nosso favor
não houve campanhas de solidariedade
não se abriram os lares para nos abrigar
e não houve braços estendidos fraternamente para nós

Somos os flagelados do Vento-Leste!

O mar transmitiu-nos a sua perseverança
Aprendemos com o vento o bailar na desgraça
As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos

Somos os flagelados do Vento-Leste!

Morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que nos impedem a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens

E as estiagens já não nos metem medo
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudermos!...)

Somos os flagelados do Vento-Leste!

Os homens esqueceram-se de nos chamar irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre escutado
São apenas
as vozes do mar
que nos salgou o sangue
as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas
estranha e silenciosamente musicais

Nós somos os flagelados do Vento-Leste!"

 
 
 
 

publicado por oha às 20:45
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Sábado, 1 de Novembro de 2008

Cantata da paz

"Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar

 

Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror

 

A bomba de Hiroshima
Vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças

 

DÁfrica e Vietname
Sobe a lamentação
Dos povos destruídos
Dos povos destroçados

 

Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado."

 

 

 


publicado por oha às 18:34
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Domingo, 19 de Outubro de 2008

Intimidade

"No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade."

          
 


publicado por oha às 22:29
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Domingo, 12 de Outubro de 2008

Inflama-me...

"Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
...e o vento do esquecimento arraste o que é doente!"

 


publicado por oha às 13:04
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Até amanhã

"Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias."

 


publicado por oha às 12:45
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Sábado, 11 de Outubro de 2008

Soneto do Trabalho

                 "Das prensas dos martelos das bigornas

                     das foices dos arados das charruas

                     das alfaias dos cascos das dornas

                     é que nasce a canção que anda nas ruas.

 

 

                     Um povo não é livre em águas mornas

                     não se abre a liberdade com gazuas

                     á força do teu braço é que transformas

                     as fábricas e as terras que são tuas

 

                     Abre os olhos e vê. Sê vigilante

                     a reacção não passará diante

                     do teu punho fechado contra o medo.

 

 

                    Levanta-te meu povo. Não é tarde.

                     Agora é que o mar canta é que o sol arde

                     pois quando o povo acorda é sempre cedo"

 

 


publicado por oha às 15:00
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Choro!

"Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
as crianças violadas
nos muros da noite
úmidos de carne lívida
onde as rosas se desgrenham
para os cabelos dos charcos.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
diante desta mulher que ri
com um sol de soluços na boca
— no exílio dos Rumos Decepados.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
este seqüestro de ir buscar cadáveres
ao peso dos poços
— onde já nem sequer há lodo
para as estrelas descerem
arrependidas de céu.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
a coragem do último sorriso
para o rosto bem-amado
naquela Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos
com as mãos ainda à procura do eterno
na carne de despir,
suada de ilusão.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
todas as humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica
todos os vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias
todas as prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos
todas as horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do
silêncio
todas as crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas
de miséria...

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro...

Mas não por mim, ouviram?
Eu não preciso de lágrimas!
Eu não quero lágrimas!

Levanto-me e proíbo as estrelas de fingir que choram por mim!

Deixem-me para aqui, seco,
senhor de insônias e de cardos,
neste òdio enternecido
de chorar em segredo pelos outros
à espera daquele Dia
em que o meu coração
estoire de amor a Terra
com as lágrimas públicas de pedra incendiada
a correrem-me nas faces
— num arrepio de Primavera
e de Catástrofe!"

 


publicado por oha às 13:24
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Sexta-feira, 10 de Outubro de 2008

Eramos cinco

 

"na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco."

 

 


publicado por oha às 07:46
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Quinta-feira, 9 de Outubro de 2008

Sob o signo da inquietação

"O susto em nós foi avançar muito pra dentro
do proibido. Muito pra perto de uma zona
perigosa. A boca da noite. O desconhecido.
Vagos caminhos de uma via nebulosa.

Vários conceitos pra falar da mesma coisa
o susto em nós foi descobrir porteiras
de territórios nunca antes percorridos
no fundo de todos nós um visitante
no fundo a falta de sentido

Visitantes de nós mesmos cometeríamos
a imprudência de quase enlouquecer
pra chegar à compreensão.
E uma coisa afiada nos conduzia
através da trilha da poesia
e do difícil trajeto da paixão."

 


publicado por oha às 21:37
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Ausência

"Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

 

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."

 

 


publicado por oha às 21:32
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Quarta-feira, 8 de Outubro de 2008

Farewell

"Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca.
Amor divinizado que se va."

 


publicado por oha às 19:46
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